quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Uma canção para Riobaldo

Música é coisa esquisita, né. Calma, inimigo leitor, parece que estou sendo agressivo com essa manifestação cultural, mas não é isso. Na verdade, estou elogiando-a, dentro daquilo que me parece um elogio.
Quando digo “esquisita”, quero dizer algo que foge a minha compreensão, como é o caso das músicas que nos fascinam, mesmo não as entendendo. Tomo minha própria pessoa como exemplo disso: praticamente analfabeto no idioma inglês, a “língua dos bárbaros” para alguns, ouço e gosto de música cantada nesse código. Tirando uns “yes”, “my names” e tal, o restante das letras é um enigma para minha parca compreensão.
Mas, mesmo assim, deixo de ouvir uma música cantada em inglês? Obviamente que não. Porque isso acontece? Ora, porque a música é universal, rompendo com as barreiras idiomáticas. Na verdade, a letra está escrita na sucessão de melodias e acordes, comunicando, através do som, a dor, a alegria, o desespero, enfim, o sentimento que pode estar expresso na letra.
Mesmo nas letras em português, muitas vezes nem prestamos atenção em seu significado, usando apenas para cantarolar alguns trechos. Seu entendimento está na sonoridade e não na inteligibilidade. Se fosse o contrário, estaríamos reduzindo a arte a mero conjunto de letras, sem levar em conta seu conteúdo. Melhor exemplo disso é o romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, cujo significado não está no entendimento das milhares de palavras inventadas pelo autor, mas sim na musicalidade e da cadência de suas frases. Nesse ponto, somos como o protogonista Riobaldo, que não compreende nem metade do mundo, mas sabe senti-lo e vivê-lo.
Então, sejamos como Riobaldo e pronto.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Trajetória acidentada


Acho que não sou a pessoa mais indicada para dar conselhos. Mas, não tem problema, dou conselho do mesmo jeito: ingrato leitor, leia o livro Pilatos (1974), escrito pelo jornalista Carlos Heitor Cony. Do enredo às circunstâncias de escrita, trata-se de um romance original e divertido.
O motor central do livro é o personagem que não tem nome (ou anônimo, já que praticamente não tem um nome de batismo), narrador de sua trajetória errante pelo submundo. Nesse percurso, ele conhece figuras pitorescas e vivencia histórias incomuns. Tudo começa num hospital, quando o estranho sem nome acorda de um acidente de trânsito e olha para o lado e vê seu pênis, apelidado por ele de Herodes, num vidro de compota.
Ao longo das páginas do livro, o anônimo carrega a tal compota para todos os cantos. Mesmo não tendo mais a mesma serventia que tinha antes, Herodes permanece junto de seu dono nas mais variadas aventuras. Obviamente, além da questão tragicômica, a trajetória do personagem principal simboliza a castração. Desde os tempos da Antiguidade Clássica, o pênis é visto como um símbolo de fertilidade e masculinidade.
No romance de Cony, a castração também simboliza um desencanto social. O acidente marca o desligamento do anônimo com a sociedade. Até então, ele levava uma vida simples, trabalhando num emprego qualquer e morando numa casa comum. A partir do momento em que se acidenta e perde, na visão dele, seu bem mais precioso, torna-se um pária sem rumo certo. Em suas andanças pela marginalidade, ele conhece o outro lado da sociedade, numa espécie de radiografia machadiana, tal como o personagem Brás Cubas da obra Memórias póstumas de Brás Cubas.
Mas, o que ele faz para mudar essa condição humana? Absolutamente, nada. O estranho sem nome faz como o romano Poncio Pilatos, lava as mãos e constata, de maneira lacônica, que as pessoas felizes são mal informadas.
De certa maneira, o percurso do estranho sem nome marca a própria carreira do autor: após a publicação de Pilatos, ele ficaria 21 anos longe da literatura. Cony também lavou as mãos, desistindo de tentar entender a sociedade através do filtro da literatura.

****Acompanhe trecho de entrevista com Carlos Heitor Cony no Paiol Literário (Curitiba-PR):


segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Em busca da história perfeita


Incrível como as traduções de títulos continuam escorregando feio na interpretação dos filmes. Ou cometem erros terríveis de semântica, como “o tiro que não saiu pela culatra”; ou usam mão daqueles velhos clichês, do tipo “dupla explosiva”.
No caso de Vigaristas (2008, dir. Rian Johnson), a tradução do título ficou na segunda opção. Tudo bem, é um filme que conta a história de dois irmãos golpistas. Daí, talvez o motivo para a distribuidora brasileira ter optado pelo infame “vigaristas”. No entanto, é um título que engana o espectador, pois não se trata de um filme policial ou de ação.
Não, The Brothers Bloom (título original) é uma produção sobre a arte de fabular e recriar a realidade. Um desses “irmãos Bloom”, Stephen, se dá bem nos golpes; mas gosta mesmo é de inventar a história perfeita. Nem que para isso ele tenha que sacrificar sua própria vida.
O filme é uma ode à imaginação.


*****Asssista ao trailer e depois veja o filme:

domingo, 5 de dezembro de 2010

Um filme de Michael Caine


Ultimamente, alguns atores consagrados têm atuado no “automático”; ou seja, parecem fazer sempre o mesmo personagem.
Nessa lista, entram Al Pacino, Robert De Niro, Dustin Hoffman, Anthony Hopkins. Tem-se a impressão de que, por terem atingido certo status, não precisam provar mais nada.
Felizmente, não é o caso de Michael Caine. Apesar de seus 77 anos, a cada filme ele mostra nova faceta e empenho na melhor atuação. Para quem não se lembra, Caine é o mordomo Alfred em Batman: o Cavaleiro das Trevas (2008).
Em seu mais recente filme, Harry Brown (2009, dir. Daniel Barber), ele vive o personagem-título: um soldado aposentado, que faz justiça com as próprias mãos para vingar o assassinato de um amigo.
Mas, não pense, inimigo leitor, que se trata de um revival dos matadores à la Charles Bronson. Ao contrário, Harry é triste e lacônico.


****Assista ao trailer:

sábado, 4 de dezembro de 2010

Melodia misteriosa


Como diriam os personagens de Nelson Rodrigues, “é batata”: quem for assistir a O livro de Eli (2010, dir. Albert Hughes e Allen Hughes), vai tentar descobrir o nome do tal livro que é carregado por Eli (Denzel Washington) ao longo dos 120 minutos de filme.
Na verdade, não é preciso ser muito inteligente para adivinhar que livro é aquele. Frustrante, pois esperava uma charada mais complexa.
Mas, pelo menos para mim, o filme apresenta um mistério mais interessante. Em duas cenas, o vilão Redridge (o ótimo Ray Stevenson) assobia uma melodia do filme Era uma vez na América (1984). Trata-se de “Cookie’s song”, ou seja, a “Canção de Cookie”, um dos personagens desse filme do diretor italiano Sergio Leone.
A princípio os dois personagens (Redridge e Cookie) não têm nada a ver um com o outro. Então, por que a música? Sugestão do ator ou ideia dos diretores?
Mistério...


****Assisti ao trailer

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A máfia de segunda classe


A história do cinema está recheada de filmes sobre a máfia, principalmente a italiana. Quem não se lembra da série O poderoso chefão (1972), dirigida pelo grande Francis Ford Coppola?
E a lista de clássicos sobre mafiosos continua: Os bons companheiros (1990), Era uma vez na América (1984), Scarface (1983), entre outros. Praticamente, se transformou num gênero, o gangsterfilm, que legou diretores e atores fundamentais.
Um deles é o ator Al Pacino, que fez um mafioso de primeira linha, Michael Corleone, na série de Coppola; e, nos anos 1990, um de segunda classe, que é verdadeiro “peão de obra”. Estamos falando do filme Donnie Brasco (1997, dir. Mike Newell), em que Pacino vive Lefty Ruggiero. Ele é enganado por um policial infiltrado, o tal Donnie do título.
Com agonia, acompanhamos a trajetória desse mafioso pé de chinelo, que vê sua única chance de glória ir para o espaço.

****Confira o trailer:

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

À maneira de Charlie Brown


Nos Estados Unidos, existe uma palavra que é usada para designar as pessoas perdedoras: loser. De quadrinhos a filmes, vários segmentos culturais costumam explorar esse imaginário.
O caso mais célebre é o da tirinha Peanuts (amendoim), que, no Brasil, virou a “Turma do Charlie Brown”. Nessa série criada pelo cartunista Charles Schutz, o menino Charlie, apelidado de “menduim”, nunca consegue acertar uma tacada de beisebol. Melancólico, Charlie assume seu lado loser de ser.
No filme Coração Louco (2009, dir. Scott Cooper), Bad Blake (Jeff Bridges) é o loser da vez. Outrora um cantor country de sucesso, Bad vive um momento de decadência, tocando em pistas de boliche e caindo bêbado pelas tabelas. Até que conhece uma jornalista (Maggie Gyllenhaal) que o faz mudar.
Não espere um melodrama; mas sim uma visão dura sobre a vida de um perdedor que tenta se reerguer.


****Confira o trailer: