terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Trajetória acidentada


Acho que não sou a pessoa mais indicada para dar conselhos. Mas, não tem problema, dou conselho do mesmo jeito: ingrato leitor, leia o livro Pilatos (1974), escrito pelo jornalista Carlos Heitor Cony. Do enredo às circunstâncias de escrita, trata-se de um romance original e divertido.
O motor central do livro é o personagem que não tem nome (ou anônimo, já que praticamente não tem um nome de batismo), narrador de sua trajetória errante pelo submundo. Nesse percurso, ele conhece figuras pitorescas e vivencia histórias incomuns. Tudo começa num hospital, quando o estranho sem nome acorda de um acidente de trânsito e olha para o lado e vê seu pênis, apelidado por ele de Herodes, num vidro de compota.
Ao longo das páginas do livro, o anônimo carrega a tal compota para todos os cantos. Mesmo não tendo mais a mesma serventia que tinha antes, Herodes permanece junto de seu dono nas mais variadas aventuras. Obviamente, além da questão tragicômica, a trajetória do personagem principal simboliza a castração. Desde os tempos da Antiguidade Clássica, o pênis é visto como um símbolo de fertilidade e masculinidade.
No romance de Cony, a castração também simboliza um desencanto social. O acidente marca o desligamento do anônimo com a sociedade. Até então, ele levava uma vida simples, trabalhando num emprego qualquer e morando numa casa comum. A partir do momento em que se acidenta e perde, na visão dele, seu bem mais precioso, torna-se um pária sem rumo certo. Em suas andanças pela marginalidade, ele conhece o outro lado da sociedade, numa espécie de radiografia machadiana, tal como o personagem Brás Cubas da obra Memórias póstumas de Brás Cubas.
Mas, o que ele faz para mudar essa condição humana? Absolutamente, nada. O estranho sem nome faz como o romano Poncio Pilatos, lava as mãos e constata, de maneira lacônica, que as pessoas felizes são mal informadas.
De certa maneira, o percurso do estranho sem nome marca a própria carreira do autor: após a publicação de Pilatos, ele ficaria 21 anos longe da literatura. Cony também lavou as mãos, desistindo de tentar entender a sociedade através do filtro da literatura.

****Acompanhe trecho de entrevista com Carlos Heitor Cony no Paiol Literário (Curitiba-PR):


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