segunda-feira, 17 de maio de 2010

Smiths ao som de Tião Carreiro & Pardinho


Na mistura entre distorção e suavidade, a banda Charme Chulo resgata o “rock caipira”



Guitarras elétricas combinam com a rusticidade da viola caipira? Os Mutantes já mostraram isso uma vez. E agora, o pessoal da banda curitibana Charme Chulo prova novamente, produzindo um autêntico rock rural.
Formado por Igor Filus (voz), Marano (baixo), Leando Delmonico (guitarra) e Rony Jimenez (bateria), o Charme Chulo surgiu em 2004, com o EP “Você sabe muito bem onde estou”. À época, chamou a atenção da crítica especializada ao fundir o rock oitentista do The Smiths (banda emblemática liderada pelo cool Morrissey) com a moda de viola de Tião Carreiro & Pardinho (dupla fundamental na história da música sertaneja de raiz). Era o chamado “rock caipira” que voltava com força, agora numa roupagem mais pop e bem resolvida.
Não é de hoje que as bandas brasileiras de rock costumam transitar pelo mundo do sertanejo de raiz. Nos anos 60 do século passado, os Mutantes já haviam feito experimentação na canção “2001”, aliando o ritmo caipira com o rock. Nos anos 70, a dupla Sá & Guarabira se uniu a Zé Rodrix para compor alguns clássicos do “rock caipira”. E, nos anos 90, o Ultraje a Rigor, do criativo Roger Rocha Moreira, gravou a música “Vamos virar japonês” com Tonico e Tinoco.
Nessa nova empreitada, o Charme Chulo vai além, apresentando maior consistência na fusão entre a distorção da guitarra e a suavidade da viola. Mais do que isso, os “caipiras ingleses” de Curitiba conseguiram organicidade ao som, ou seja, tem-se a impressão de que é perfeitamente normal ouvir, numa mesma canção, a eletricidade e o timbre cristalino cada gênero.
PRIMEIRO DISCO
Lançado em 2007, o primeiro CD, que leva o mesmo nome da banda, é prova de que essa fusão entre rock e música caipira funciona. Em seu repertório, letras que recuperam o universo rural, mas com doses urbanas de melancolia e solidão; e ritmos que oram se comunicam por meio de guitarras tristes, ora se transformam em animadas violas.
É um passeio entre a crise existencial dos anos 80, de bandas como The Cure e R.E.M., e a simplicidade do mundo rural dos anos 60-90, de duplas como Zilo & Zalo e o violeiro Almir Sater. O Charme Chulo torna isso evidente em canções como “Mazzaropi incriminado”, “Polaca azeda”, “Piada cruel” e “Apaixonante na tristeza”, só para ficar em alguns exemplos.
A figura do caipira que se perde na vida é o mote de “Mazzaropi incriminado”. A começar pelo título, sua letra faz alusão ao personagem consagrado no cinema pelo diretor/ator/produtor Amacio Mazzaropi: o sujeito simples, ingênuo e de origem rural, que acaba sendo usado e enganado. É a encarnação do Jeca Tatu, trazido da literatura de Monteiro Lobato.
Em versos como “Você se sente um Mazzaropi incriminado/ Um brasileiro que perdeu mais uma chance/ Enganado tanto quanto ele só”, a letra faz uma aproximação entre essa figura do Mazzaropi com a trajetória de qualquer brasileiro. Assim, cria-se uma identificação entre o ouvinte e essa vida comum e sofrida.
Apesar de Mazzaropi ser um elemento que remete ao universo rural, no fundo todos somos esse personagem, ainda que urbanos. Ou seja, pessoas que não cometeram crime algum, mas que pagam o pato.
De certo modo, “Piada cruel” se aproxima dessa discussão, mas sem o enfoque no campo. Versos como “Várias coisas me atormentam/ quando tento entender os dilemas dessa vida” provocam uma reflexão sobre a existência humana.
Já na “Polaca azeda”, o que chama atenção é a sua introdução: uma típica moda de viola caipira. Leando Delmonico, guitarrista e violonista da banda, mostra todo sua habilidade nas cordas duplas. Um desavisado poderia pensar que é uma música de raiz; mas não, trata-se de um bom exemplo de fusão entre o rock e o sertanejo. Logo em seguida, entra a parte elétrica da música, pontuando os solos e a base dessa viola.
O mesmo pode se dizer de “Apaixonante na tristeza”, só que agora o engano se dá na direção do rock oitentista. Tanto no arranjo quanto na voz de Igor Filus percebe-se a influência do The Smiths. E a viola caipira continua presente, fazendo companhia à eletricidade de outros instrumentos.
Os Smiths estão também na temática da letra: “Todos vivendo suas vidas/ e parece que não estou vivendo a minha/ Estou deixando ela passar/ Como um filme que vamos ver depois”. Novamente, o passeio pela melancolia existencial.
NOVO TRABALHO
Dando prosseguimento ao “rock caipira”, o Charme Chulo lançou no final de 2009 o CD “Nova onda caipira”, aprofundando ainda mais a mistura de guitarras e violas. Inclusive, a faixa “Fala comigo, Barnabé!” está disponível para audição no MySpace da banda e foi citada pela versão brasileira da revista Rolling Stone, edição de abril.
Enfim, a mistura do Charme Chulo dá samba, ou melhor, “rock caipira”.


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Crédito da foto: Divulgação

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