domingo, 17 de abril de 2011

Jorge Amado e o Pós-Cinema

(imagem: livrus.com.br)
Capa de uma das edições da novela de Jorge Amado



Nesta postagem, finalizamos a série de colaborações do escritor, músico e professor Daniel de Oliveira Gomes. Ele analisa a obra "A morte e a morte de Quincas Berro d'Água".

Este é o último dos meus artigos que reflete sobre “A morte e a morte de Quincas Berro d´Água”, do Jorge Amado. No romance, existem ao menos duas mortes. No filme, ainda não sei. É um dos romances que de modo mais interessante e aéreo trabalha a normalização da morte, como um tema sequer filosófico. De todo modo, podemos afirmar para além da poética desta história, que quando este mundo acabar, vai começar um outro. O mundo verdadeiro. Por enquanto somos seres racionais, desenhamos a beleza da razão, com Leonardo da Vinci, o maior dos gênios, e ela se fortaleceu até Kant e o iluminismo, pois queríamos ser diferentes dos brutos animais. Foi fácil, inventamos o cinema. Devíamos entrar em festa, e estamos fazendo. Mas, o mundo que começará quando este acabar não será um mundo boêmio e festivo, acredito: isso nos torna sobremodo inseguros. Seremos fantoches da festa automática do próprio mundo que não soçobra. Em breve, não haverá Universidade, esta bárbara instituição que se apodera dos saberes. Cada vez mais é possível fazer cursos virtuais, muito mais rápidos, livres e informativos. É bizarro pensar que meu querido e estimado papel de professor sobrevém uma vez que somos testemunhas da barbárie, estamos numa fase violenta dos homens; no futuro tudo será placidez, e a violência será um dom, por isso não existirão religiões, eu acho, nem jogos de azar, nem quaisquer instituições, me leva a pensar Jean Baudrillard, por exemplo. Talvez tudo se estetize como cinema, para poder sobreviver.
O que estará em extinção serão os próprios deuses, a falsa felicidade da razão também; aliás, já entraram em extinção, desde Nietzsche. Eu gostaria de saber se os homens e mulheres se apaixonariam uns pelos outros, num mundo assim. Um mundo onde as próprias pulsões eróticas seriam extintas. Se perdêssemos isto seria muito triste, pois é a paixão a maior conquista humana, ensina-nos o escritor baiano. Por isso, acredito que uma literatura como a dele que acaba por não suportar, por exemplo, certos debates feministas mais ortodoxos, é uma dádiva. Ninguém vencerá a guerra dos sexos, há muita confraternização entre os inimigos, em Jorge Amado. Minha atual resistência aos intransigentes é indicar belos romances e ver bons filmes. Um mundo sem diferenças, sem poesia, seria indigesto, repito aos meus alunos. Leminski às vezes era catastrófico, dizia que o cinema suplantaria a literatura. Claro que todo mundo vê mais filmes do que lê romances. No entanto, é ótimo que freqüentemente adaptem em filme, no Brasil, bons romances como “A morte e a morte de Quincas Berro D´água”. Até porque as pessoas estão enjoando dos maus filmes americanos. Eles se delineiam geralmente como uma costura entre, de um lado, cenas de vômitos, de outro, a “maximização moral da instituição familiar”; e as pessoas vão vendo que pagavam para ir ao cinema mesmo assim. Mesmo o mundo sendo dos nets, abandonavam ou convidavam suas adiposas famílias para dividir pipocas amanteigadas e latões de coca-cola, sob os brilhos de um filme que, dentre em pouco, passaria na TV a cabo. Parece que, agora, um cinema aprazível com a leveza que a massa brasileira reivindica, mas também poético, aparece, aos poucos. Tal como a moda dos documentários musicais. Roland Barthes adorava cinema, mas era um cinema da solidão, do encontro consigo mesmo, do caminho pessoal de uma descoberta especial; mas hoje não sei se gostaria. Não sei se sentiria o mistério do corredor de cinema, ao ver os cartazes legendários dos cinemas 3D nos Shoppings de hoje.
O enlatado americano impera, geralmente, como uma espécie de região de indiscernibilidade entre a imaterialidade luminosa, bondosa, da família feliz, e o visco dos vômitos por debaixo da mesa, as piadas tolas, as obsessões patrióticas, os heroísmos broncos. Talvez este estilo de cinema americano um dia contamine o próprio amor pelo cinema, mas duvido que apagaria um Kubrick, Woody Allen, Coppola ou Hitchcock, por exemplo. Por isso, vamos lá conferir o filme “A Morte de Quincas Berro D´Água”, mesmo que seja como gesto coletivo de pirraça poética, para não dizer resistência. Afinal, “um mundo sem poesia seria indigesto.” Sendo uma comédia boa ou ruim, ao menos é um Jorge Amado nos cinemas.


****Texto escrito por Daniel de Oliveira Gomes (setepratas@hotmail.com). Ele é Professor Adjunto de Literatura no DELET, Departamento de Letras da UNICENTRO, em Guarapuava.

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