terça-feira, 20 de março de 2012

Entrevista: Paulo Eduardo Nogueira

Escrito por Paulo Eduardo Nogueira, o livro Paulo Francis: polemista profissional narra os principais lances da trajetória de Paulo Francis na imprensa brasileira.

 

Segundo o autor, a ideia da publicação surgiu em 2008, quando a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo resolveu homenagear os 200 anos da chegada da imprensa ao Brasil, publicando a série “Imprensa em Pauta”.

Coube a Nogueira escrever o perfil sobre Paulo Francis, que inclusive havia sido seu colega dos tempos do jornal “O Estado de S. Paulo”.

Na entrevista a seguir, o autor conta mais sobre seu livro e a figura emblemática de Paulo Francis.


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NOVA ESTAMPA: Não há como começar uma entrevista sem fazer uma pergunta básica: como surgiu o projeto de pesquisa e feitura de seu livro? O que o mais atraiu em Paulo Francis, a figura dele ou a consistência de suas ideias? 
NOGUEIRA: O livro é resultado de uma série de felizes acasos. Em 2008, a Imprensa Oficial resolveu homenagear os 200 anos da chegada da imprensa ao Brasil com um série de dez perfis de jornalistas, chamada "Imprensa em Pauta". E me convidou para escrever o perfil de Paulo Francis, sem saber que eu trabalhara com ele em sua última fase profissional, entre 1990 e 1996, no jornal O Estado de S. Paulo. De todos os perfis aventados, o do Francis seria o único que eu escolheria com prazer, pois o acompanhava desde os anos 60, nos tempos do Pasquim. Portanto, o livro foi uma encomenda, com tamanho e prazo bem definidos, pois sairiam vários volumes ao mesmo tempo. A ideia era fazer um perfil não muito longo, de fácil acesso, sobretudo destinado às gerações que desconheciam o personagem. O fato de ter convivido profissionalmente com ele quando eu era editor de política internacional (uma das áreas de expertise do Francis) do Estadão me possibilitou um enfoque mais pessoal, mostrando, por exemplo, que, ao contrário do folclore, ele era uma pessoa afável e até carente afetivamente. Tratava todo mundo com atenção. Além disso, contei com a inestimável colaboração da viúva, Sonia Nolasco, que respondeu a uma longa série de perguntas sem exigir ler o texto final ou qualquer tipo de controle prévio. Também fiz longas entrevistas com Lucas Mendes, que conviveu com o Francis desde os anos 70 em Nova York, e Sérgio Augusto, principalmente sobre as área de cultura e política. Todos foram extremamente gentis e prestativos, muito obrigado! Também reli todos os romances e livros do Francis, inclusive Certezas da Dúvida e Opinião Pessoal, que havia lido há quase 40 anos. E também recorri a muito material de arquivo de jornais.
Como escrevo no livro, meu interesse pelo trabalho do Francis vem desde o início dos anos 70, quando entrei na faculdade de jornalismo e vivíamos o auge da ditadura militar. A censura era férrea e o acesso à informação, precário. Francis era uma janela para o mundo, enviando de Nova York informações preciosas sobre filmes, peças, livros, etc, além de comentários políticos. Os artigos dele circulavam pelas mãos os estudantes como tesouros, às vezes em xerox. As gerações da internet, Twitter, não fazem ideia da sede de informação daquela época. E o Francis era o maior farol da época. Foi o avô dos blogueiros, pois a coluna Diário da Corte, no fundo, era um blog, com notas curtas, dinâmicas, variadas. 


NOVA ESTAMPA: Além do conteúdo, o que me chama atenção em seu livro é justamente o objeto de pesquisa: Paulo Francis. No mercado editorial brasileiro, ainda são poucas as obras que investigam a trajetória de Francis na cultura nacional. Na sua avaliação, por que isso ocorre? 
NOGUEIRA: É difícil responder. Temos uma enxurrada de biografias sobre as mais variadas figuras, mas a vida do Francis havia sido tema de apenas um livro antes do meu, escrito por Daniel Piza, outro amigo do Estadão, infelizmente já falecido, chamado Brasil na Cabeça. São livros complementares: Daniel define o seu como um "ensaio biográfico", em que destaca mais análises sobre os gostos literários do Francis e seu contexto intelectual, enquanto o meu livro trata mais de informações biográficas, com  preocupações cronológicas, etc., e da trajetória ideológica, do trotskismo ao conservadorismo. Há um outro livro, escrito pelo ex-jurado do Chacrinha Fernando Jorge, que se limita a apontar erros de informação dos artigos do Francis. Uma obra abaixo da crítica.  

NOVA ESTAMPA: Pela atitude combativa, capacidade de falar de qualquer assunto e conhecimento enciclopédico, Francis encarnava a figura do perfeito "jornalista intelectual", ou seja, que dissertava bem e vivia de modo romântico. Você concorda com essa imagem? Você acha que Francis foi um dos últimos jornal istas a empunhar esse perfil? 
NOGUEIRA: Francis nasceu em 1930 e foi produto de uma época determinada. Só teve seu primeiro emprego de verdade aos 27 anos. Antes disso, pôde ler tudo o que queria, sustentado pelo pai. E aproveitou bem esse conforto. Hoje em dia não há mais tempo para isso, um jornalista de 27 anos provavelmente já foi demitido de um ou mais empregos, e luta pela sobrevivência em longas jornadas de trabalho. O culto pelos livros era muito mais forte na época do Francis, sem o imediatismo da informação de hoje. Além disso, obviamente ele era muito inteligente e soube absorver tudo o que lia, o que lhe foi muito útil profissionalmente. Ele se destacou não por reportagens de campo ou grandes entrevistas, mas por comentários e análises feitos na sala de seu apartamento. O que não é pouco: quanta gente é lembrada ainda hoje só por suas opiniões? Por isso não há sucessores do Francis, ele continua sendo uma avis rara no panorama cultural brasileiro.


NOVA ESTAMPA: Voltando a falar de seu livro, você mostra toda a trajetória intelectual de Francis, provando que a mudança da influência socialista para o conservadorismo tinha fundamento em autores estudados pro ele. De certa forma, isso quebra um pouco aquela imagem de um Francis que pouca ligava para a coerência? Ou seja, o "Francis popular" acabou sobrepujando o "Francis mais profundo"?  

NOGUEIRA: A trajetória ideológica do Francis e sua guinada conservadora não se deram da noite para o dia. E, como demonstro no livro, correspondem a um movimento verificado em muitos países, em que antigos marxistas se desiludem com a revolução e passam a enxergar na esquerda o maior inimigo da democracia. Não houve incoerência por parte do Francis, mas uma mudança que começa ainda nos anos 60, quando o golpe militar abala seus sonhos de uma nova sociedade, passando pelos anos 70, quando se decepciona com a esquerda, até entrar nos anos 80/90 com o figurino conservador. A chave para explicar essa guinada está no trotskismo: era uma tendência que sempre foi crítica à esquerda em geral, particularmente o stalinismo da União Soviética ou o maoísmo chinês,  considerados regimes burocráticos e opressores. Quando o trotskista perde a esperança na "verdadeira" revolução, a tendência é se tornar um crítico de qualquer esquerda. Há inúmeros casos assim, como o recentemente falecido intelectual Christopher Hitchens. Dedico o capítulo final do livro a essa trajetória e, para mim, é o ponto alto do livro. Modéstia à parte, nunca li nenhum ensaio que tratasse dessa questão com mais profundidade. É uma abordagem original, fundamentada, que dá um contexto para as mudanças de posição do Francis. Não foi uma pirraça de um intelectual provocativo, mas um processo natural de reformulação de pensamento. Se as pessoas concordam ou não, é outra história.

  
NOVA ESTAMPA: Logo depois que li seu livro, assisti ao documentário do Nelson Hoineff. Senti uma similaridade entre os dois projetos. Você acha que seu livro tem algum tipo de diálogo com esse filme?
NOGUEIRA:  Como no caso do livro do Daniel Piza, acho que são complementares. Até mencionei no livro que o documentário de Nelson Hoineff seria lançado, mas não deu tempo devê-lo antes de o livro ser publicado. Até pelo título, o filme deixa claro que é um retrato afetivo sobre o Francis, com seus amigos e histórias. É uma escolha de enfoque, que você pode gostar ou não. Nelson costumava se hospedar no apartamento do Francis quando ia a Nova York. Há momentos importantes, como a entrevista do médico Jesus Cheda, que diagnosticou uma bursite em vez de problema cardíaco, ou de Joel Rennó, que processou Francis pelas acusações à Petrobrás. As críticas não foram muito favoráveis, mas gostei bastante e me diverti muito. Assisti ao filme em uma sala de cinema aqui em São Paulo e o público rachava de rir. Esse era o tal segredo do Francis. Não é um retrato muito aprofundado, mas funciona bem como cinema, apesar da clara falta de recursos para fazer uma produção mais sofisticada, com mais material de arquivo, etc.

NOVA ESTAMPA:  O título de seu livro, "polemista profissional", sintetiza bem o espírito de Paulo Francis: provocador, brigão, inconformista. Nessa onda atual do politicamente correto, seria possível existir alguém como o Francis? E se ele ainda fosse vivo, continuaria do m esmo jeito?
 
NOGUEIRA:  Essa é uma dúvida interessante: como seria o Francis de 2012, com 82 anos de idade? Alguns, como Caio Blinder, acham que ele estaria diluído hoje nessa selva da internet, sem a mesma força. Discordo: se ele mantivesse um blog, acho que seria o mais acessado da rede. Até os inimigos o leriam diariamente, só para se irritar. Principalmente a patrulha do politicamente correto, que vem causando um mal terrível ao mundo das ideias, ao estabelecer uma cartilha do que é autorizado ou não. Francis detonaria tudo isso, com exagero e verve. Há uma oferta de informações sem precedentes na história humana, mas pouca qualidade. E ninguém como o Francis. Com sua capacidade de escrever num jato, imagino como poderia produzir nos meios digitais, em tempo real. Se bem que, aos 82 anos, provavelmente ele já teria se aposentado e ido morar em Petrópolis, um antigo sonho. 

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